sexta-feira, 16 de abril de 2010

O MENDIGO

Era perto das sete, quando atravessei a praça da biblioteca pública, cruzei a Duque de Caxias e alcancei o portão de minha casa. Presenciava uma tarde morosa em Rolândia – típica de Dezembro, com pessoas caminhando, crianças brincando e jovens passeando. Quase nada incomum: tudo era conforme era há tempos. Exceto uma coisa. Um mendigo que deixei deitado próximo a um banco ao cruzar a praça. Pouco nele reparei, confesso, mas o fiz suficientemente para notar que ele não era parte do ambiente ordinário de minha praça. Conhecia os que a frequentavam e os que a utilizavam para diminuir distância. Os que por ali dormiam também. Esse mendigo era novo ali, porém não para modificar a paisagem rotineira de uma cidade, mesmo que pequena como a minha – figuras de mendigos eram sempre velhas naquela praça e em qualquer outra; na minha cidade e em qualquer outra.

E por isso pouco liguei para a novidade. No dia seguinte, ao atravessar a praça, o procurei para ver se ali ainda estava e o achei. Queria notar melhor aquela figura. Pele queimada, barba por fazer, maltrapilho – o de sempre, de sempre. Caminhava sem rumo a passos curtos, mas em minha direção. Não me assustei, mas me incomodei com o provável encontro. Já imaginava o que iria pedir e como eu iria negar. Um dinheirinho? Não teria - para ele comprar pinga? - Leite em pó? Não teria crianças, certamente. Um prato de comida - que passasse mais tarde, no horário do jantar (meu pai me ensinou a não negar pratos de comidas. Ensinou a negar somente o prato. Usa-se uma embalagem velha de lanche para dar a comida, dizia ele).

Com o semblante fechado o recebi em meu caminho. Procurei desviar, mas impossível foi. Senhor! Oi? Respondi cabisbaixo buscando me safar. É que... Não tenho nada, estou voltando do trabalho. Sei, pois. Pois então? Quer alguns trocados? O quê? Você quer alguns trocados? Não. Espera? É que... Você me ofereceu dinheiro? Sim! Ora, me oferecia dinheiro o mendigo. Não pedia, me oferecia. E eu, eu não entendia... confundia. Olhava aquele homem oferecendo-me trocados, ao invés de pedi-los. Cheguei a abrir a carteira e deparar-me com a carteira dele aberta. Ele tinha carteira. Já não sabia se era ele ou eu quem devia estender uma nota.

Recebi cinco reais. Agradeci. Ele continuou a caminhar. Algumas pessoas me olhavam, outras riam. Num momento pensei que se trava de alguma brincadeira. Não era. Aquele homem era sim um transeunte e me dera cinco reais. Cinco reais, em nota, mirrada, dobrada. Cinco reais que jamais pensara em receber ou ganhar daquela forma. Creio que ninguém ali jamais pensara em viver algo semelhante.

Retomei meu caminho de casa, preocupado com a falta que tal montante lhe faria, entretido com o que faria com tal montante. Até cheguei a pensar que era a vida me ensinando lição - quem pouco tem, mais generoso é... - Mas cinco reais? Não é algo que inspira uma lição de moral. Eu também não inspiro uma cena assim...

Atravessei a Duque de Caxias mais uma vez, como sempre, mas dessa vez moribundo e com cinco reais na mão e uma sensação de que algo me faltava. Não era dinheiro. Era algo que não sabia explicar, mas provocava saudosismo demasiado, como se fosse privado, naquela tarde, de alguma coisa. Guardei os cinco reais.

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