terça-feira, 22 de março de 2011

GREGÓRIO DE MATOS – POESIAS SELECIONADAS

BARROCO

O Barroco, na História da Arte, é o estilo que marca presença do fim do século XVI a meados do século XIII; no entanto, seu período mais característico é mesmo o século XVII. A hipótese mais difundida para justificar a denominação dada a esse período da arte é a de que o termo “barroco” deriva de Broatki, província da índia descoberta por colonizadores portugueses em 1510. Esses comerciantes passaram a chamar a região da Baróquia, porque lá se colhia, em abundância, um tipo muito especial de pérola: de superfície áspera, bastante irregular e com uma coloração que mesclava tons brancos e escuros. O aspecto estranho e bizarro dessas pérolas fez elas se tornarem muito solicitadas na Europa. O termo foi incorporado à arte porque o Barroco privilegia a riqueza de detalhes e de ornamentos. Na pintura, caracteriza-se como a arte do Chiaroscuro(claro-escuro). A predominância de linhas curvas, com forte sugestão de movimento, explorando novos efeitos de perspectiva e de aparência irreais, com muitas filigranas na ornamentação (folhagens, volutas, arabescos) são elementos que se aglutinam para reforçar a propriedade de tal identificação.

CONTEXTO HISTÓRICO

Complexo e multiforme, o Barroco diferencia-se do Classicismo anterior pela exuberância de imaginação e pela efervescência de imagens sinuosas e assimétricas. Transgredindo o princípio da harmonia universal buscado pelos clássicos, o Barroco se caracteriza pela contorção das formas e pela instabilidade. Esse desequilíbrio espelha as reações da igreja e das monarquias absolutistas ao processo revolucionário instaurado pelo Renascimento e pela Reforma. O epicentro desse reacionarismo ultraconservador foi a Espanha de Filipe II, manifestado intensamente nos sessenta anos em que esse país dominou Portugal. A contra-ofensiva da igreja teve início com a realização o Concílio de Trento, que restabeleceu normas e doutrinais e morais rígidas, reativando a Inquisição, com suas práticas de perseguição, tortura e outras hostilidades aos considerados “hereges”. Empenhada em restaurar seu prestígio e seu poder, a Igreja instituiu também o Index Livre Improbi (1571), em que listava as obras de leitura proibida aos católicos. Assim, a uma época de fascinante abertura, sucedia-se um período de obscurantismo e repressão. A Companhia de Jesus, fundada em 1540 para servir de ponta-de-lança à Contra-Reforma, assumiu o controle das principais escolas e universidades, impondo-lhes a filosofia da escolástica medieval em sua corrente tomista, de linha mais tradicional e dogmática. Esse autoritarismo mandonista da igreja refletiu-se em praticamente todas as formas de arte barroca. Como a religião transformara-se de novo em elemento primordial da vida individual e coletiva, o Barroco tornou-se, nos países católicos, a arte da contra-reforma.

  • O Dualismo Existencial

O homem barroco, pelas circunstâncias já referidas, teve uma vida tensa, tornando-se um ser dividido e angustiado. Essa sensação sufocante provém das pressões antagônicas a que foi submetido: de um lado, encurralado pela Contra-Reforma; de outro, tentado a preservar a perspectiva libertária revelada pelo Renascimento. Acuado, o que fez para sair desse impasse? Assumiu diante da vida atitudes duplas e contraditórias: procurou conciliar o antropocentrismo renascentista com o teocentrismo medieval / contra-reformista. Essa busca de síntese existencial corresponde ao fusionismo ou hibridismo, traço fundamental da arte barroca. Tornou-se, assim, um ser “anfíbio”: procurou desfrutar os prazeres materiais da efêmera vida terrena, ao mesmo tempo em que se reaproximou da igreja para assegurar a felicidade eterna. Para alcançá-la, sentiu necessidade de dialogar com Deus, pois “o santo só pode surgir através do homem”.

  • A Dualidade Estilística

O texto barroco distingui-se pela intensa elaboração formal, resultado da aplicação de várias figuras de estilo: metáforas, antíteses, hipérboles, hipérbatos, quiasmos, anáforas, hipólagesetc. Outro traço característico é o da linguagem conceptual, carregada de pensamentos tão singulares quanto sutis. O raciocínio parece desenvolver-se em espiral, reflexo do labirinto espiritual em que se debatia o homem. A dualidade estilística manifesta-se pela presença ora do cultismo (predominante na poesia), ora do conceptismo (mais freqüente na prosa). Embora seja possível uma diferenciação entre as duas tendências, há composições em que elas vêm tão fundidas que seus limites se apagam. Patenteia-se assim a presença do hibridismo, que não raro gera ambiguidade, outra marca característica do Barroco.

Cultismo: O autor procura envolver o leitor por meio de estímulos sensoriais, promovendo um cruzamento entre as camadas fônicas e cromáticas das palavras. Esta corrente, também conhecida como gongorismo, mostra-se mais esteticista, pois explora o descritivismo, resultado do burilamento da forma verbal.

Conceptismo: Nessa tendência, o escritor procura seduzir o leitor por meio de um evolvimento intelectual, de tal maneira que as palavas sejam exploradas em sua esfera argumentativa. Com isso, o texto conceptista remete o leitor à essência do significado verbal, numa montagem elaorada intelectualmente com agudeza e engenho.

  • O Barroco no Brasil

O nascimento na literatura brasileira se dá no Barroco. Este fato explica a permanência desse estilo ao longo de nossa cultura, manifestando-se até na época contemporânea. A estética barroca se adaptou perfeitamente ao Brasil, pois nossa fisionomia cultural se forjou inicialmente em termos de oposição e de choque. Efetivamente, o contato da colonização portuguesa com a população nativa propiciou, a princípio, a sensação de descoberta de um paraíso, pela possibilidade de organização de uma sociedade livre, natural e incorrupta. Entretanto, a violência com que esses europeus submeteram os índios acabou determinando o encontro dos contrários, imagem que consubstancia a raiz do fenômeno barroco. Costuma-se afirmar a existência de duas vertentes barrocas, diferenciadas pela geografia e pela economia que as circunstanciam. Assim, produziu-se na Bahia e em Pernambuco do século XVII o Barroco do Açucar, em que a Literatura se destaca como principal atividade artística. Já em Minas Gerais e no século XVIII, desenvolveu-se o Barroco do Ouro, em que se realçam, quantitativamente e qualitativamente, a arquitetura, as artes plásticas e a música.

  • Gregório de Matos (1623 / 1633 – 1696)

Gregório de Matos Guerra era o terceiro filho de um fidalgo português, estabelecido no Recôncavo baiano como senhor de engenho, e de uma brasileira. Ao contrário dos irmãos mais velhos que não se adequaram aos estudos e dedicaram a ajudar o pai na fazenda, Gregório recebeu instrução na infância e adolescência e foi enviado para a Universidade de Coimbra, onde bacharelou-se em direito. Na Corte portuguesa, envolveu-se na vida literária que deixava o maneirismo camoniano e atingia o barroco, seguindo as influências espanholas de Gôngora e Quevedo. Por essa ocasião, teria também casado e tido acesso ao rei Pedro 2o, de quem ganhou simpatia e favores. Sua sorte, porém, mudou bruscamente. Enviuvou e caiu em desgraça com o rei, segundo alguns biógrafos, por intriga de alguém ridicularizado em um de seus poemas satíricos. Acabou retornando à Bahia em 1681, a princípio trabalhando para o Arcebispo, como tesoureiro-mór, mas logo desligado de suas funções. Casou-se, então, com Maria dos Povos, a quem dedicou um de seus sonetos mais famosos. Vendeu as terras que recebera de herança e, segundo consta, guardou o dinheiro num saco no canto da casa, gastando-o à vontade e sem fazer economia. Ao mesmo tempo, tratou de exercer a advocacia, escrevendo argumentações judiciais em versos. A certa altura, resolveu abandonar tudo e saiu pelo Recôncavo como cantador itinerante, convivendo com o povo, frequentando as festas populares, banqueteando-se sempre que convidado. É nessa época que se avoluma sua obra satírica (inclusive erótico-obscena) que iria lhe valer o apelido de "Boca do Inferno". Mas foi a crítica política à corrupção e o arremedo aos fidalgos locais que resultaram em sua deportação para Angola. De lá, só pôde retornar em 1695, com a condição de se estabelecer em Pernambuco e não na Bahia, além de evitar as sátiras. Segundo os estudiosos, nesses momentos finais de vida, tornou-se mais devoto e deu vazão à poesia religiosa, em que pede perdão a Deus por seus pecados. Morreu em data incerta no ano seguinte. Vale lembrar que a fama de Gregório de Matos - um dos grandes poetas barrocos não só do Brasil, mas da língua portuguesa - é devida a uma obra efetivamente sólida, em que o autor soube manejar os cânones da época, seja de modo erudito em poemas líricos de cunho filosófico e religioso, seja na obra satírica de cunho popularesco. O virtuosismo estilístico de Gregório de Matos não encontra um rival a altura na poesia portuguesa do mesmo período. A obra de Gregório de Matos se divide em:

  • Satírica: por meio dela, Gregório satiriza todas as classes sociais, em especial o clero, as freiras, os mulatos, as autoridades em geral. Às vezes, o vocabulário é debochado, chulo. Usa africanismos e termos indígenas, pondo a nu as circunstâncias, acontecimentos e pessoas.

DESCREVE O QUE ERA REALMENTE NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,

Quer nos governar cabana e vinha,

Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüente olheiro,

Que a vida do vizinho, e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,

Para a levar à Praça e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados

Trazidos pelos pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia.*

Estupendas usuras nos mercados,

Todos os que não furtam muito pobres:

E eis aqui a cidade da Bahia

EPÍLOGOS

Que falta nesta cidade?................Verdade

Que mais por sua desonra?...........Honra

Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio

Quem causa tal perdição?.............Ambição

E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura

de um povo néscio, e sandeu,

que não sabe, que o perdeu

Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?....Pretos

Tem outros bens mais maciços?.....Mestiços

Quais destes lhe são mais gratos?...Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,

dou ao demo a gente asnal,

que estima por cabedal

Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos

Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas

Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,

e a terra fica esfaimando,

porque os vão atravessando

Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda

É grátis distribuída?......................Vendida

Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,

o que El-Rei nos dá de graça,

que anda a justiça na praça

Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia?..................Simonia

E pelos membros da Igreja?..........Inveja

Cuidei, que mais se lhe punha?.....Unha.

Sazonada caramunha!

enfim que na Santa Sé

o que se pratica, é

Simonia, Inveja, Unha.

E nos frades há manqueiras?.........Freiras

Em que ocupam os serões?............Sermões

Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas

me concluís na verdade,

que as lidas todas de um Frade

são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................Baixou

E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu

Logo já convalesceu?.....................Morreu.

À Bahia aconteceu

o que a um doente acontece,

cai na cama, o mal lhe cresce,

Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?...................Não pode

Pois não tem todo o poder?...........Não quer

É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,

que uma Câmara tão nobre

por ver-se mísera, e pobre

Não pode, não quer, não vence.

  • Lírico-Amorosa: Levando-se em conta que a poesia lírica é toda aquela que expressa sentimentos pessoais sobre alguma coisa, pessoa ou acontecimento, a lírica gregoriana pode ser dividida em:

a) Lírico-amorosa: a que ressalta o elogio ao ser amado; em linguagem amável e equilibrada, usa geralmente o soneto como forma de expressão.

PONDERA AGORA COM MAIS ATTENÇÃO A FORMOSURA DE D. ANGELA

Não vi em minha vida a formosura,

Ouvia falar nela cada dia,

E ouvida me incitava, e me movia

A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura

Na cara, no bom ar, na galhardia

De uma Mulher, que em Anjo se mentia,

De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)

Se esta a cousa não é, que encarecer-me.

Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)

Se a beleza hei de ver para matar-me,

Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

b) Lírico-Erótica: nesse tipo de poema, somam-se sonetos a redondilhos, com termos chulos e linguagem ambígua, trocadilhos. Na lírica gregoriana, a amorosa, geralmente sob forma de soneto, é feita para as mulheres brancas; a erótica, normalmente sob a forma de redondilhos, é dirigina às negreas e mulatas.

O amor é finalmente

um embaraço de pernas,

uma união de barrigas,

um breve tremor de artérias

ma confusão de bocas,

uma batalha de veias,

um reboliço de ancas,

quem diz outra coisa é besta.

  • Religiosa: corresponde a fase final dos poemas gregorianos. É exatamente com ela, ou por meio dela, que se pode observar nele o homem tipicamente barroco. Os duelos entre pecado e perdão, salvação e inferno aparecem de maneira notadamente destacada.

MEU DEUS QUE ESTAIS PENDENTE...

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja lei protesto viver,

Em cuja santa lei hei de morrer

Animoso, constante, firme, e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minh vida anoitecer,

É, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um Pai manso Cordeiro.

Mui grande é vosso amor, e meu delito,

Porém pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,

Que por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar.

  • Filosófica: nela aparece, sobretudo, a ideia de carpe diem: tudo é transitório e perecível.

DESENGANOS DA VIDA HUMANA METAFORICAMENTE

É a vaidade, Fábio, nesta vida,

Rosa, que da manhã lisonjeada,

Púrpuras mil, com ambição dourada,

Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,

Por mares de soberba desatada,

Florida galeota empavesada,

Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza,

Com presunção de Fênix generosa,

Galhardias apresta, alentos presa:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa

De que importa, se aguarda sem defesa

Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?