segunda-feira, 25 de abril de 2011

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA - POEMAS ESCOLHIDOS

O termo Arcadismo deriva de Arcádia, região da antiga Grécia, localizada na parte central do Peloponeso. De relevo montanhoso, a Arcádia era habitada por pastores e, desde a Antiguidade, foi exaltada como uma região mítica, cujos habitantes entremeavam trabalho com poesia, cantando o paraíso rústico em que viviam, como a terra da inocência e da felicidade. Na Renascença, a palavra Arcádia passou a simbolizar um lugar ideal para se viver, sinônimo de equilíbrio e serenidade de espírito. Adquiriu também certa tonalidade sensual: pastores e pastoras vivendo amores espontâneos, junto a uma natureza amena e acolhedora. No século XVIII, Arcádia passa a designar agremiações de poetas, que se reuniam regularmente, visando a restaurar a sobriedade da poesia clássico-renascentista. Essas sociedades literárias unificaram-se em torno de um princípio básico: fazer a poesia voltar ao equilíbrio das regras clássicas. Daí, a expressão Neoclassicismo ser muitas vezes veiculada como sinônimo de Arcadismo. O Arcadismo é, mais propriamente, uma tendência que procurou reabilitar gêneros, formas e técnicas da expressão clássica, especialmente aquelas que tinham sido desenvolvidas no século XVI. A fundação da Arcádia Lusitana (1756) constituiu-se no marco inicial do movimento em Portugal. Seu emblema apresentava uma rústica mão segurando um podão, acompanhada da inscrição “Inutilia truncat” (corta o inútil), que ressaltava a rejeição fóbica ao Barroco. Deste movimento, os árcades criticavam os vícios e os excessos, caracterizando-os como defeitos a serem corrigidos, para que, assim, a Literatura pudesse cumprir sua função moral.

Contexto Histórico

O Arcadismo desponta em pleno Século das Luzes, o século XVIII, um momento extremamente importante para as ciências e as artes em geral, ocasião em que o homem, livrando-se do jugo do Tribunal da Santa Inquisição, tenta trazer de volta bens intelectuais tão caros quanto a razão e o equilíbrio. É o Iluminismo que designa a mentalidade racional do século XVIII e valoriza a Ciência, a pesquisa, a crítica aos métodos e valores sociais e religiosos. A Ilustração, como também ficou conhecida essa época, é um movimento humanístico-científico que já se iniciara em pleno Renascimento, mas fora rompido pela Contrarreforma, e foi retomado por meio dos pensamentos de Voltaire, Rousseau e Mostesquieu. Em 1751, começam a ser publicados os volumes da Enciclopédia (1751-1765): Diderot, D’Alembert e Helvérius passam a publicar nela seus pensamentos e Lavoisier, Lineu, Newton e Locke ganha a dinâmica de uma nova postura de experimentação e planejamento no trabalho de pesquisa. Com relação ao aspecto político, aparece o chamado Despotismo Esclarecido; no entanto, é momento em que a burguesia ascende em definitivo ao poder social e econômico; e mais: o século XVIII traz ainda consigo a Revolução Industrial, a Revolução Comercial e, por fim, a Revolução Francesa (1789). É um século de conquistas, portanto.

Características Árcades

O Arcadismo possui características típicas, bem demarcadas e distantes das que consagram o Barroco.

1. Reação contra os exageros barrocos

A linguagem árcade é notadamente simples. Se o Barroco prima por ser complicado, hiperbólico, conceptista e cultista, o Arcadismo tem afinidade com a simplicidade (ainda que aparente), o uso da metonímia (o campo é uma espécie de redução do mundo) e o equilíbrio.

2. Fingimento árcade

Se comparada ao Barroco ou ao Romantismo, a escola árcade apresenta expressividade contida, pelo fato de mitificar o campo como lugar ideal para se viver em pleno século das Luzes; criou um artificialismo ou fingimento que, muitas vezes, induzem ao lugar comum, aos clichês. Finge-se o campo, a vida simples do campo, a idealização da vida e do amor.

3. O bucolismo e o pastoralismo

É a exaltação dos motivos e temas campesinos: pastores, vida simples e rural, placidez do campo e de suas paisagens calmas, seus duas felizes e prazenteiros.

4. Descritivismo

Ao contrário do Barroco, que sugere e metaforiza, o Arcadismo descreve objetivamente; portanto, o poeta está muito mais próximo de um pintor. A descrição é indicativa de lugares felizes, situações evocadoras, seres próximos do equilíbrio e da perfeição.

5. Arte como imitação da natureza

Assim como o grego e o romano, é obrigação do poeta copiar, buscar na natureza seus modelos. É a famosa mimese: quanto mais semelhante à natureza, quanto mais verossímil, mais perfeita a obra poética. Essa realidade, no entanto, é toda mitificada, em circunstâncias que denotam o fingimento.

6. Modelos clássicos

Os árcades valorizavam a poesia dos clássicos greco-latinos; buscavam a harmonia, a razão e incentivam também a valorização do bem, do belo e do verdadeiro, ou seja, valorizavam a perfeição da obra de arte.

7. Uso da mitologia

Pelo fato do Neoclassicismo ter influência do Classicismo do século XVI e do Classicismo greco-latino, é fácil entender o aproveitamento constante da mitologia clássica.

Os Lemas Árcades

Os cinco lemas árcades regem o fazer poético de toda a poesia árcade:

a) Fugere Urbem (fugir das cidades): Abandono da cidades em direção ao campo, para manter contato íntimo com o mundo natural.

b) Inutilia Truncal (cortar o que é inútil): Rejeição aos exageros barrocos, oriunda da simplicidade da vida campesina.

c) Locus Amoenus (lugar agradável): Priorização de um lugar agradável, pacífico e ameno para se viver. Esse local deve ser junto da natureza.

d) Aurea Mediocritas (a simplicidade do ouro): Rejeição ao luxo e à ostentação. Utilizar o ouro com parcimônia.

e) Carpe Diem (aproveitar o dia): Única herança barroca. É a fruição dos prazeres do dia e da existência, porque ela é efêmera.

ARCADISMO NO BRASIL (1768-1836)

Quando o Arcadismo se iniciou no Brasil e desenvolveu-se principalmente em Outro Preto – capital de fato do Brasil na época –, o chamado Ciclo do Ouro naquela região já estava em franca descensão, embora o ápice de sua crise real tenha sido em 1788, com a ameaça da Derrama, que sequer se configurou como tal. Desde as primeiras décadas do século XVIII, já se podiam observar sintomas de uma crise que culminaria antes que chegasse o século XIX. A região recebeu, por esse motivo, as mais importantes figuras políticas desse tempo. Tomás Antônio Gonzaga, por exemplo, era ouvidor-geral em Vila Rica nesse período. É preciso acrescentar que enquanto a “escola árcade” ou “plêiade mineira” instalava-se ali com seu espírito neoclássico na literatura, o Barroco ainda sobrevivia com seu fausto e temas nas artes plásticas e na música. É a época do Barroco mineiro. Além das características trazidas da Europa, o Arcadismo no Brasil adquiriu algumas particularidades temáticas abaixo apontadas:

a) Inserção de temas e motivos não existentes no modelo europeu, como a paisagem tropical, elementos da flora e da fauna do Brasil e alguns aspectos peculiares da colônia, como a mineração, por exemplo;

b) Episódios da história do país, nas poesias heróicas;

c) O índio como tema literário.

Esses novos temas já prenunciam o que seria o Romantismo no Brasil: a representação do indígena e da cor local.

Cláudio Manuel da Costa (Glauceste Satúrnio)

Patrono da cadeira número 8 da ABL (Academia Brasileira de Letras), Cláudio Manuel da Costa é considerado um dos maiores poetas brasileiros do período colonial. Advogado, era filho do lavrador e minerador João Gonçalves da Costa e de Teresa Ribeiro de Alvarenga. Depois de iniciar os seus estudos em Vila Rica (Ouro Preto) e cursar filosofia no Rio de Janeiro, seguiu em 1749 para Lisboa e, posteriormente, para Coimbra, onde se formou em Cânones, em 1753. Em Portugal, entrou em contato com as ideais iluministas e iniciou a sua carreira literária publicando, em opúsculos, pelo menos três poemas: "Munúsculo métrico", "Labirinto de Amor" e "Epicédio". Em todos os trabalhos, a característica poética do Barroco seiscentista é evidente, nos cultismos, conceitismos e formalismos.

De volta ao Brasil, dedicou-se à advocacia, sendo nomeado secretário do governo de Minas Gerais, cargo que ocupou entre 1762 e 1765. A literatura, sua grande paixão, não foi esquecida, e Cláudio Manuel da Costa criou uma academia, a Colônia Ultramarina. Depois, trabalhou como juiz medidor de terras da Câmara de Vila Rica, que era a capital da província mineira. Em 1773, adotou o nome árcade de Glauceste Satúrnio. Anos mais tarde, participou, ao lado de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Inácio José de Alvarenga Peixoto e outros, da Inconfidência Mineira. Na mesma época, compôs o clássico poema "Vila Rica", pronto em 1773, mas publicado somente em 1839, em Ouro Preto, 50 anos após a sua morte. A poesia descreve a saga dos bandeirantes paulistas no desbravamento dos sertões e suas lutas com os emboabas indígenas, até a fundação da cidade de Vila Rica.

Nas décadas de 70 e 80, escreveu várias poesias em que mostra preocupação com problemas políticos e sociais, publicadas na maior parte por Ramiz Galvão em 1895. Cláudio Manuel da Costa estava rico (possuía três fazendas, além de outros bens) quando se envolveu com a Inconfidência Mineira. Preso, foi interrogado pelos juízes no dia 2 de julho de 1789. Muito nervoso, comprometeu alguns amigos em seu depoimento, antes de ser encaminhado para a prisão, na Casa dos Contos, em Vila Rica. No dia 4 de julho de 1789, Cláudio Manuel da Costa cometeu suicídio dentro da prisão, embora alguns historiadores afirmem que o poeta foi assassinado. O seu corpo foi encontrado pendente de uma trave.

Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa

Contemporâneo da Arcádia Lusitana, Cláudio Manuel da Costa foi um poeta de técnica apurada, um escritor que procurou equilibrar a sua forte vocação barroca ao estilo neoclássico. O poeta mineiro também introduziu, em seus textos, elementos locais, descrevendo paisagens e expressando um forte sentimento nacionalista. Toda a sua criação literária de Cláudio Manuel da Costa está em Obras Poéticas, obra que reúne a produção lírica do poeta – sonetos, éclogas (pequenos poemas pastorais), epicédios (poemas fúnebres, criados pelos gregos para exaltar as qualidades da pessoa morta), cantatas (tipo de composição vocal, para uma ou mais vozes, com acompanhamento instrumental) e outras modalidades –, e que dá início ao Arcadismo Brasileiro. Essa publicação marcou a fundação da Arcádia Ultramarina, uma instituição cultural onde os poetas se reuniam para escrever e declamar seus poemas. O poeta admite a contradição que existe entre o ideal poético e a realidade de sua obra. Com efeito, se os poemas estão cheios de pastores – comprovando o projeto de literatura árcade – o seu gosto pela antítese e a preferência pelo soneto indicam a herança de uma tradição que remonta ao Camões lírico e à poesia portuguesa do século XVII. A todo instante, o autor de Obras Poéticas vale-se de antíteses - típico procedimento barroco - para registrar os seus conflitos pessoais, conforme os poemas abaixo indicam.

II

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,

Em meus versos teu nome celebrado;

Por que vejas uma hora despertado

O sono vil do esquecimento frio:

Não vês nas tuas margens o sombrio,

Fresco assento de um álamo copado;

Não vês ninfa cantar, pastar o gado

Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias

Nas porções do riquíssimo tesouro

O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro

Enriquecendo o influxo em tuas veias,

Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Antônio Candido aponta uma constante da obra de Cláudio Manuel da Costa, que é o relativo dilaceramento interior, causado pelo contraste entre o rústico berço mineiro e a experiência intelectual e social da Metrópole, onde fez os estudos superiores e se tornou escritor. No soneto acima, é perceptível essa característica (assim como no que segue). O eu-lírico descreve a paisagem mineira, colocando em plano principal o Ribeirão do Carmo, rio que cortava sua cidade. Ele o descreve como um rio degradado pela busca ambiciosa do ouro.

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza

O berço, em que nasci! oh quem cuidara,

Que entre penhas tão duras se criara

Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os Tigres por empresa

Tomou logo render-me; ele declara

Contra o meu coração guerra tão rara,

Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,

A que dava ocasião minha brandura,

Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,

Temei, penhas, temei; que Amor tirano,

Onde há mais resistência, mais se apura.

No soneto acima, o eu-lírico inicia discorrendo sobre a sua própria maneira de ser. Ele se mostra uma pessoa terna e sem dureza, mesmo tendo nascido entre penhascos. Há, assim, uma antítese – resquício barroco típico de Cláudio Manuel da Costa – que contrapõe a pureza campesina aos penhascos ríspidos e duros. A mitologia grega, por sua vez, se faz presente no momento em que o eu-lírico personifica os sentimentos. Tanto o amor << Amor>>, quanto seu contrário <<Tigre>>, são tratados como entes, aspecto típico da cultura grega. Há, ainda, no soneto em questão, o tema da luta contra o Amor e a clara manifestação da linguagem clara e simplificada do Arcadismo.

terça-feira, 22 de março de 2011

GREGÓRIO DE MATOS – POESIAS SELECIONADAS

BARROCO

O Barroco, na História da Arte, é o estilo que marca presença do fim do século XVI a meados do século XIII; no entanto, seu período mais característico é mesmo o século XVII. A hipótese mais difundida para justificar a denominação dada a esse período da arte é a de que o termo “barroco” deriva de Broatki, província da índia descoberta por colonizadores portugueses em 1510. Esses comerciantes passaram a chamar a região da Baróquia, porque lá se colhia, em abundância, um tipo muito especial de pérola: de superfície áspera, bastante irregular e com uma coloração que mesclava tons brancos e escuros. O aspecto estranho e bizarro dessas pérolas fez elas se tornarem muito solicitadas na Europa. O termo foi incorporado à arte porque o Barroco privilegia a riqueza de detalhes e de ornamentos. Na pintura, caracteriza-se como a arte do Chiaroscuro(claro-escuro). A predominância de linhas curvas, com forte sugestão de movimento, explorando novos efeitos de perspectiva e de aparência irreais, com muitas filigranas na ornamentação (folhagens, volutas, arabescos) são elementos que se aglutinam para reforçar a propriedade de tal identificação.

CONTEXTO HISTÓRICO

Complexo e multiforme, o Barroco diferencia-se do Classicismo anterior pela exuberância de imaginação e pela efervescência de imagens sinuosas e assimétricas. Transgredindo o princípio da harmonia universal buscado pelos clássicos, o Barroco se caracteriza pela contorção das formas e pela instabilidade. Esse desequilíbrio espelha as reações da igreja e das monarquias absolutistas ao processo revolucionário instaurado pelo Renascimento e pela Reforma. O epicentro desse reacionarismo ultraconservador foi a Espanha de Filipe II, manifestado intensamente nos sessenta anos em que esse país dominou Portugal. A contra-ofensiva da igreja teve início com a realização o Concílio de Trento, que restabeleceu normas e doutrinais e morais rígidas, reativando a Inquisição, com suas práticas de perseguição, tortura e outras hostilidades aos considerados “hereges”. Empenhada em restaurar seu prestígio e seu poder, a Igreja instituiu também o Index Livre Improbi (1571), em que listava as obras de leitura proibida aos católicos. Assim, a uma época de fascinante abertura, sucedia-se um período de obscurantismo e repressão. A Companhia de Jesus, fundada em 1540 para servir de ponta-de-lança à Contra-Reforma, assumiu o controle das principais escolas e universidades, impondo-lhes a filosofia da escolástica medieval em sua corrente tomista, de linha mais tradicional e dogmática. Esse autoritarismo mandonista da igreja refletiu-se em praticamente todas as formas de arte barroca. Como a religião transformara-se de novo em elemento primordial da vida individual e coletiva, o Barroco tornou-se, nos países católicos, a arte da contra-reforma.

  • O Dualismo Existencial

O homem barroco, pelas circunstâncias já referidas, teve uma vida tensa, tornando-se um ser dividido e angustiado. Essa sensação sufocante provém das pressões antagônicas a que foi submetido: de um lado, encurralado pela Contra-Reforma; de outro, tentado a preservar a perspectiva libertária revelada pelo Renascimento. Acuado, o que fez para sair desse impasse? Assumiu diante da vida atitudes duplas e contraditórias: procurou conciliar o antropocentrismo renascentista com o teocentrismo medieval / contra-reformista. Essa busca de síntese existencial corresponde ao fusionismo ou hibridismo, traço fundamental da arte barroca. Tornou-se, assim, um ser “anfíbio”: procurou desfrutar os prazeres materiais da efêmera vida terrena, ao mesmo tempo em que se reaproximou da igreja para assegurar a felicidade eterna. Para alcançá-la, sentiu necessidade de dialogar com Deus, pois “o santo só pode surgir através do homem”.

  • A Dualidade Estilística

O texto barroco distingui-se pela intensa elaboração formal, resultado da aplicação de várias figuras de estilo: metáforas, antíteses, hipérboles, hipérbatos, quiasmos, anáforas, hipólagesetc. Outro traço característico é o da linguagem conceptual, carregada de pensamentos tão singulares quanto sutis. O raciocínio parece desenvolver-se em espiral, reflexo do labirinto espiritual em que se debatia o homem. A dualidade estilística manifesta-se pela presença ora do cultismo (predominante na poesia), ora do conceptismo (mais freqüente na prosa). Embora seja possível uma diferenciação entre as duas tendências, há composições em que elas vêm tão fundidas que seus limites se apagam. Patenteia-se assim a presença do hibridismo, que não raro gera ambiguidade, outra marca característica do Barroco.

Cultismo: O autor procura envolver o leitor por meio de estímulos sensoriais, promovendo um cruzamento entre as camadas fônicas e cromáticas das palavras. Esta corrente, também conhecida como gongorismo, mostra-se mais esteticista, pois explora o descritivismo, resultado do burilamento da forma verbal.

Conceptismo: Nessa tendência, o escritor procura seduzir o leitor por meio de um evolvimento intelectual, de tal maneira que as palavas sejam exploradas em sua esfera argumentativa. Com isso, o texto conceptista remete o leitor à essência do significado verbal, numa montagem elaorada intelectualmente com agudeza e engenho.

  • O Barroco no Brasil

O nascimento na literatura brasileira se dá no Barroco. Este fato explica a permanência desse estilo ao longo de nossa cultura, manifestando-se até na época contemporânea. A estética barroca se adaptou perfeitamente ao Brasil, pois nossa fisionomia cultural se forjou inicialmente em termos de oposição e de choque. Efetivamente, o contato da colonização portuguesa com a população nativa propiciou, a princípio, a sensação de descoberta de um paraíso, pela possibilidade de organização de uma sociedade livre, natural e incorrupta. Entretanto, a violência com que esses europeus submeteram os índios acabou determinando o encontro dos contrários, imagem que consubstancia a raiz do fenômeno barroco. Costuma-se afirmar a existência de duas vertentes barrocas, diferenciadas pela geografia e pela economia que as circunstanciam. Assim, produziu-se na Bahia e em Pernambuco do século XVII o Barroco do Açucar, em que a Literatura se destaca como principal atividade artística. Já em Minas Gerais e no século XVIII, desenvolveu-se o Barroco do Ouro, em que se realçam, quantitativamente e qualitativamente, a arquitetura, as artes plásticas e a música.

  • Gregório de Matos (1623 / 1633 – 1696)

Gregório de Matos Guerra era o terceiro filho de um fidalgo português, estabelecido no Recôncavo baiano como senhor de engenho, e de uma brasileira. Ao contrário dos irmãos mais velhos que não se adequaram aos estudos e dedicaram a ajudar o pai na fazenda, Gregório recebeu instrução na infância e adolescência e foi enviado para a Universidade de Coimbra, onde bacharelou-se em direito. Na Corte portuguesa, envolveu-se na vida literária que deixava o maneirismo camoniano e atingia o barroco, seguindo as influências espanholas de Gôngora e Quevedo. Por essa ocasião, teria também casado e tido acesso ao rei Pedro 2o, de quem ganhou simpatia e favores. Sua sorte, porém, mudou bruscamente. Enviuvou e caiu em desgraça com o rei, segundo alguns biógrafos, por intriga de alguém ridicularizado em um de seus poemas satíricos. Acabou retornando à Bahia em 1681, a princípio trabalhando para o Arcebispo, como tesoureiro-mór, mas logo desligado de suas funções. Casou-se, então, com Maria dos Povos, a quem dedicou um de seus sonetos mais famosos. Vendeu as terras que recebera de herança e, segundo consta, guardou o dinheiro num saco no canto da casa, gastando-o à vontade e sem fazer economia. Ao mesmo tempo, tratou de exercer a advocacia, escrevendo argumentações judiciais em versos. A certa altura, resolveu abandonar tudo e saiu pelo Recôncavo como cantador itinerante, convivendo com o povo, frequentando as festas populares, banqueteando-se sempre que convidado. É nessa época que se avoluma sua obra satírica (inclusive erótico-obscena) que iria lhe valer o apelido de "Boca do Inferno". Mas foi a crítica política à corrupção e o arremedo aos fidalgos locais que resultaram em sua deportação para Angola. De lá, só pôde retornar em 1695, com a condição de se estabelecer em Pernambuco e não na Bahia, além de evitar as sátiras. Segundo os estudiosos, nesses momentos finais de vida, tornou-se mais devoto e deu vazão à poesia religiosa, em que pede perdão a Deus por seus pecados. Morreu em data incerta no ano seguinte. Vale lembrar que a fama de Gregório de Matos - um dos grandes poetas barrocos não só do Brasil, mas da língua portuguesa - é devida a uma obra efetivamente sólida, em que o autor soube manejar os cânones da época, seja de modo erudito em poemas líricos de cunho filosófico e religioso, seja na obra satírica de cunho popularesco. O virtuosismo estilístico de Gregório de Matos não encontra um rival a altura na poesia portuguesa do mesmo período. A obra de Gregório de Matos se divide em:

  • Satírica: por meio dela, Gregório satiriza todas as classes sociais, em especial o clero, as freiras, os mulatos, as autoridades em geral. Às vezes, o vocabulário é debochado, chulo. Usa africanismos e termos indígenas, pondo a nu as circunstâncias, acontecimentos e pessoas.

DESCREVE O QUE ERA REALMENTE NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,

Quer nos governar cabana e vinha,

Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüente olheiro,

Que a vida do vizinho, e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,

Para a levar à Praça e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados

Trazidos pelos pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia.*

Estupendas usuras nos mercados,

Todos os que não furtam muito pobres:

E eis aqui a cidade da Bahia

EPÍLOGOS

Que falta nesta cidade?................Verdade

Que mais por sua desonra?...........Honra

Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio

Quem causa tal perdição?.............Ambição

E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura

de um povo néscio, e sandeu,

que não sabe, que o perdeu

Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?....Pretos

Tem outros bens mais maciços?.....Mestiços

Quais destes lhe são mais gratos?...Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,

dou ao demo a gente asnal,

que estima por cabedal

Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos

Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas

Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,

e a terra fica esfaimando,

porque os vão atravessando

Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda

É grátis distribuída?......................Vendida

Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,

o que El-Rei nos dá de graça,

que anda a justiça na praça

Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia?..................Simonia

E pelos membros da Igreja?..........Inveja

Cuidei, que mais se lhe punha?.....Unha.

Sazonada caramunha!

enfim que na Santa Sé

o que se pratica, é

Simonia, Inveja, Unha.

E nos frades há manqueiras?.........Freiras

Em que ocupam os serões?............Sermões

Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas

me concluís na verdade,

que as lidas todas de um Frade

são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................Baixou

E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu

Logo já convalesceu?.....................Morreu.

À Bahia aconteceu

o que a um doente acontece,

cai na cama, o mal lhe cresce,

Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?...................Não pode

Pois não tem todo o poder?...........Não quer

É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,

que uma Câmara tão nobre

por ver-se mísera, e pobre

Não pode, não quer, não vence.

  • Lírico-Amorosa: Levando-se em conta que a poesia lírica é toda aquela que expressa sentimentos pessoais sobre alguma coisa, pessoa ou acontecimento, a lírica gregoriana pode ser dividida em:

a) Lírico-amorosa: a que ressalta o elogio ao ser amado; em linguagem amável e equilibrada, usa geralmente o soneto como forma de expressão.

PONDERA AGORA COM MAIS ATTENÇÃO A FORMOSURA DE D. ANGELA

Não vi em minha vida a formosura,

Ouvia falar nela cada dia,

E ouvida me incitava, e me movia

A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura

Na cara, no bom ar, na galhardia

De uma Mulher, que em Anjo se mentia,

De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)

Se esta a cousa não é, que encarecer-me.

Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)

Se a beleza hei de ver para matar-me,

Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

b) Lírico-Erótica: nesse tipo de poema, somam-se sonetos a redondilhos, com termos chulos e linguagem ambígua, trocadilhos. Na lírica gregoriana, a amorosa, geralmente sob forma de soneto, é feita para as mulheres brancas; a erótica, normalmente sob a forma de redondilhos, é dirigina às negreas e mulatas.

O amor é finalmente

um embaraço de pernas,

uma união de barrigas,

um breve tremor de artérias

ma confusão de bocas,

uma batalha de veias,

um reboliço de ancas,

quem diz outra coisa é besta.

  • Religiosa: corresponde a fase final dos poemas gregorianos. É exatamente com ela, ou por meio dela, que se pode observar nele o homem tipicamente barroco. Os duelos entre pecado e perdão, salvação e inferno aparecem de maneira notadamente destacada.

MEU DEUS QUE ESTAIS PENDENTE...

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja lei protesto viver,

Em cuja santa lei hei de morrer

Animoso, constante, firme, e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minh vida anoitecer,

É, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um Pai manso Cordeiro.

Mui grande é vosso amor, e meu delito,

Porém pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,

Que por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar.

  • Filosófica: nela aparece, sobretudo, a ideia de carpe diem: tudo é transitório e perecível.

DESENGANOS DA VIDA HUMANA METAFORICAMENTE

É a vaidade, Fábio, nesta vida,

Rosa, que da manhã lisonjeada,

Púrpuras mil, com ambição dourada,

Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,

Por mares de soberba desatada,

Florida galeota empavesada,

Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza,

Com presunção de Fênix generosa,

Galhardias apresta, alentos presa:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa

De que importa, se aguarda sem defesa

Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

sábado, 19 de fevereiro de 2011

MARX E ENGELS VÃO À ZONA

A história de todas as sociedades que existiram até os dias de hoje tem sido a da luta de classes. Tem sido a história dos escravos e dos homens livres; dos proletariados e dos homens de posse. Dos consumidores e dos atendentes de telemarketing. Ora franca, ora disfarçada, essas lutas são ininterruptas e permeiam a história há muito tempo. Movem-na, na verdade. Mas e a luta das putas e dos cafetões? É sabido que elas existem há muito tempo também e que, de certo modo, também movem a história. Até existem os que dizem que é a delas a profissão mais velha do mundo. E existem outros que afirmam que foi um filho delas que, de fato, inventou a profissão. É uma controvérsia. O que não a é, entretanto, é a falta que a análise dessa relação – das putas e dos cafetões –, relações sociais, digo, fazem ao pensamento de Engels e Marx. Os bons conhecedores de suas teorias econômicas e sociológicas sabem que nenhuma página foi dedicada a tal assunto tão importante para humanidade. Mas há motivos para essa ausência.

É que não contam os anais da história, tampouco a história da filosofia, mas muitos sabem que, em uma noite de 1844, Marx e Engels foram à zona. Cansados de história e de economia, resolveram os dois cruzarem a cidade luz para irem relaxar um pouco à luz vermelha. Devia uma a Engels Marx, devido à história do menino. Dai uma agora por minha conta, camarada, e assim se justifica teu filho! Caminhavam, pensando na revolução e no álcool, no álcool e na revolução. Tu acreditas? E acreditavam. Pensavam, durante todo o caminho do bordel, nos dias que se seguiriam e em como tudo seria bom após a revolução. Mas lá chegando, não pensaram em mais nada mais nada. Foi só uma arrumada na longa barba, um acerto no paletó, e, faceiros, adentraram o recinto, lúgubre e insalubre – como uma fábrica –, exceto pelas luzes e pelas operárias. Bons ares, camarada! Bon Soir, Mon Amour! No balcão, entre um copo e outro, Marx e Engels procuravam a mais militante. Queriam enroscar suas barbas. Apenas observavam, comentavam bustos e quadris, Que proletárias, não achas? E apontavam para Charles, solitário em uma mesa, decadente como uma flor em seu mal. Aquele já não tem mais com que se divertir! És um burguês fracassado. Riam.

Até que Engels, sério, franzindo a testa, olhou para seu amigo e o indagou sobre os cafetões. Não te preocupe, camarada, logo um aparece e tu falas com ele. Mas não era só isso que incomodava Engels. É uma exploração! Que, camarada Engels! Aquele par a balançar é caro, mas tudo vale sim, não achas? Mas não era essa a ideia de Engels. O que incomodava Engels, na verdade, era a exploração, a opressão de classes existente no bordel. Não vês, camarada, como há aqui também a luta de classes? Marx entendeu. Não é, que é! Também franziu a testa. Era preciso resolver aquilo. Nas fábricas, nas ruas, nas indústrias e no bordel. Tudo era luta. Mais uma vez a classe reprimida sucumbia sob a ditadura da mais-valia, sob ditadura dos donos dos meios de produção. Era hora de mais uma vez levantar-se, de deixar a volúpia de lado, os pares a balançar, e lutar pela justiça vermelha, vermelha como as luzes no teto. E foi o que Marx fez: levantou-se, tornou o copo goela abaixo, ajeitou o banquinho para nele subir – para fazer seu discurso –, ajeitou a barba e... refugou. Engels estranhou, pediu mais uma, e questionou. Marx confuso o olho. Acho que temos que resolver alguns problemas epistemológicos antes de conclamar a revolução aqui.

Engels, em um insight, concordou. Logo percebeu que, no Bordel, a questão era mais complicada do que parecia. Isso porque, nas fábricas, a mais-valia era clara. A alienação era clara. Os operários vendiam sua força de trabalho, não recebiam por toda a venda dela, tampouco tinham noção do que de fato produziam. Mas no Bordel? Dizia Marx em tom alterado, vermelho pelo Gim. Será que as proletárias dos belos pares eram alienadas e também não tinham conhecimento de todo o processo? Alguns camaradas dizem que muitas delas sabiam todos os processos inimagináveis. E a mais-valia? Batia Engels no balcão. Qual parte da força de trabalho era, de fato, negligenciada? Essas questões fervilhavam a mente de ambos, junto da empolgação de mais um passo em suas elucubrações. Era o fantasma que não pairaria apenas por toda Europa, mas que também mostraria sua cara por todos os bordeis.

Uma questão mais confusa, no entanto, apareceu. E os meios de produção? Ora, com sempre, pertencem àqueles que oprimem. Será? A empolgação terminou. A questão colocada por Marx trouxe consigo um balde de água fria. Seria, pois, os meios de produção, realmente dos que oprimem, ou das operárias. Afinal os opressores lucravam sim com aqueles meios de produção, mas não eram de fato deles. Eram delas ou de quem as pagavam? Sem dúvida, eram elas que cuidavam, que sofriam com possíveis danos, que pagavam pela depreciação. Mas operários donos dos meios de produção? Os camaradas, sob a luz vermelha, entre um copo e outro, não chegavam a um consenso que fosse ao encontro de suas elucubrações anteriores. Pense, camarada, pense!

Engels e Marx, na zona, cabisbaixos estavam. Já Charles, nesse momento, malandro, subia com os pares que estavam a balançar. Ficas pensando nessas coisas. Perdeu! Depois nisso pensamos, então. Adiatar-me-ei antes que aqueles pares também se percam. Amanha veremos isso. E foi Marx, com seus pares a balançar, escada acima. E Engels também, pouco depois. No final da noite, ambos abraçados a caminho de casa, riam, sem ao menos se lembrar de suas preocupações. Junto de Charles – Uma carniça, cara, de onde tiraras isso? – gritavam e tombavam as latas de lixo pela Paris adormecida.