segunda-feira, 25 de abril de 2011

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA - POEMAS ESCOLHIDOS

O termo Arcadismo deriva de Arcádia, região da antiga Grécia, localizada na parte central do Peloponeso. De relevo montanhoso, a Arcádia era habitada por pastores e, desde a Antiguidade, foi exaltada como uma região mítica, cujos habitantes entremeavam trabalho com poesia, cantando o paraíso rústico em que viviam, como a terra da inocência e da felicidade. Na Renascença, a palavra Arcádia passou a simbolizar um lugar ideal para se viver, sinônimo de equilíbrio e serenidade de espírito. Adquiriu também certa tonalidade sensual: pastores e pastoras vivendo amores espontâneos, junto a uma natureza amena e acolhedora. No século XVIII, Arcádia passa a designar agremiações de poetas, que se reuniam regularmente, visando a restaurar a sobriedade da poesia clássico-renascentista. Essas sociedades literárias unificaram-se em torno de um princípio básico: fazer a poesia voltar ao equilíbrio das regras clássicas. Daí, a expressão Neoclassicismo ser muitas vezes veiculada como sinônimo de Arcadismo. O Arcadismo é, mais propriamente, uma tendência que procurou reabilitar gêneros, formas e técnicas da expressão clássica, especialmente aquelas que tinham sido desenvolvidas no século XVI. A fundação da Arcádia Lusitana (1756) constituiu-se no marco inicial do movimento em Portugal. Seu emblema apresentava uma rústica mão segurando um podão, acompanhada da inscrição “Inutilia truncat” (corta o inútil), que ressaltava a rejeição fóbica ao Barroco. Deste movimento, os árcades criticavam os vícios e os excessos, caracterizando-os como defeitos a serem corrigidos, para que, assim, a Literatura pudesse cumprir sua função moral.

Contexto Histórico

O Arcadismo desponta em pleno Século das Luzes, o século XVIII, um momento extremamente importante para as ciências e as artes em geral, ocasião em que o homem, livrando-se do jugo do Tribunal da Santa Inquisição, tenta trazer de volta bens intelectuais tão caros quanto a razão e o equilíbrio. É o Iluminismo que designa a mentalidade racional do século XVIII e valoriza a Ciência, a pesquisa, a crítica aos métodos e valores sociais e religiosos. A Ilustração, como também ficou conhecida essa época, é um movimento humanístico-científico que já se iniciara em pleno Renascimento, mas fora rompido pela Contrarreforma, e foi retomado por meio dos pensamentos de Voltaire, Rousseau e Mostesquieu. Em 1751, começam a ser publicados os volumes da Enciclopédia (1751-1765): Diderot, D’Alembert e Helvérius passam a publicar nela seus pensamentos e Lavoisier, Lineu, Newton e Locke ganha a dinâmica de uma nova postura de experimentação e planejamento no trabalho de pesquisa. Com relação ao aspecto político, aparece o chamado Despotismo Esclarecido; no entanto, é momento em que a burguesia ascende em definitivo ao poder social e econômico; e mais: o século XVIII traz ainda consigo a Revolução Industrial, a Revolução Comercial e, por fim, a Revolução Francesa (1789). É um século de conquistas, portanto.

Características Árcades

O Arcadismo possui características típicas, bem demarcadas e distantes das que consagram o Barroco.

1. Reação contra os exageros barrocos

A linguagem árcade é notadamente simples. Se o Barroco prima por ser complicado, hiperbólico, conceptista e cultista, o Arcadismo tem afinidade com a simplicidade (ainda que aparente), o uso da metonímia (o campo é uma espécie de redução do mundo) e o equilíbrio.

2. Fingimento árcade

Se comparada ao Barroco ou ao Romantismo, a escola árcade apresenta expressividade contida, pelo fato de mitificar o campo como lugar ideal para se viver em pleno século das Luzes; criou um artificialismo ou fingimento que, muitas vezes, induzem ao lugar comum, aos clichês. Finge-se o campo, a vida simples do campo, a idealização da vida e do amor.

3. O bucolismo e o pastoralismo

É a exaltação dos motivos e temas campesinos: pastores, vida simples e rural, placidez do campo e de suas paisagens calmas, seus duas felizes e prazenteiros.

4. Descritivismo

Ao contrário do Barroco, que sugere e metaforiza, o Arcadismo descreve objetivamente; portanto, o poeta está muito mais próximo de um pintor. A descrição é indicativa de lugares felizes, situações evocadoras, seres próximos do equilíbrio e da perfeição.

5. Arte como imitação da natureza

Assim como o grego e o romano, é obrigação do poeta copiar, buscar na natureza seus modelos. É a famosa mimese: quanto mais semelhante à natureza, quanto mais verossímil, mais perfeita a obra poética. Essa realidade, no entanto, é toda mitificada, em circunstâncias que denotam o fingimento.

6. Modelos clássicos

Os árcades valorizavam a poesia dos clássicos greco-latinos; buscavam a harmonia, a razão e incentivam também a valorização do bem, do belo e do verdadeiro, ou seja, valorizavam a perfeição da obra de arte.

7. Uso da mitologia

Pelo fato do Neoclassicismo ter influência do Classicismo do século XVI e do Classicismo greco-latino, é fácil entender o aproveitamento constante da mitologia clássica.

Os Lemas Árcades

Os cinco lemas árcades regem o fazer poético de toda a poesia árcade:

a) Fugere Urbem (fugir das cidades): Abandono da cidades em direção ao campo, para manter contato íntimo com o mundo natural.

b) Inutilia Truncal (cortar o que é inútil): Rejeição aos exageros barrocos, oriunda da simplicidade da vida campesina.

c) Locus Amoenus (lugar agradável): Priorização de um lugar agradável, pacífico e ameno para se viver. Esse local deve ser junto da natureza.

d) Aurea Mediocritas (a simplicidade do ouro): Rejeição ao luxo e à ostentação. Utilizar o ouro com parcimônia.

e) Carpe Diem (aproveitar o dia): Única herança barroca. É a fruição dos prazeres do dia e da existência, porque ela é efêmera.

ARCADISMO NO BRASIL (1768-1836)

Quando o Arcadismo se iniciou no Brasil e desenvolveu-se principalmente em Outro Preto – capital de fato do Brasil na época –, o chamado Ciclo do Ouro naquela região já estava em franca descensão, embora o ápice de sua crise real tenha sido em 1788, com a ameaça da Derrama, que sequer se configurou como tal. Desde as primeiras décadas do século XVIII, já se podiam observar sintomas de uma crise que culminaria antes que chegasse o século XIX. A região recebeu, por esse motivo, as mais importantes figuras políticas desse tempo. Tomás Antônio Gonzaga, por exemplo, era ouvidor-geral em Vila Rica nesse período. É preciso acrescentar que enquanto a “escola árcade” ou “plêiade mineira” instalava-se ali com seu espírito neoclássico na literatura, o Barroco ainda sobrevivia com seu fausto e temas nas artes plásticas e na música. É a época do Barroco mineiro. Além das características trazidas da Europa, o Arcadismo no Brasil adquiriu algumas particularidades temáticas abaixo apontadas:

a) Inserção de temas e motivos não existentes no modelo europeu, como a paisagem tropical, elementos da flora e da fauna do Brasil e alguns aspectos peculiares da colônia, como a mineração, por exemplo;

b) Episódios da história do país, nas poesias heróicas;

c) O índio como tema literário.

Esses novos temas já prenunciam o que seria o Romantismo no Brasil: a representação do indígena e da cor local.

Cláudio Manuel da Costa (Glauceste Satúrnio)

Patrono da cadeira número 8 da ABL (Academia Brasileira de Letras), Cláudio Manuel da Costa é considerado um dos maiores poetas brasileiros do período colonial. Advogado, era filho do lavrador e minerador João Gonçalves da Costa e de Teresa Ribeiro de Alvarenga. Depois de iniciar os seus estudos em Vila Rica (Ouro Preto) e cursar filosofia no Rio de Janeiro, seguiu em 1749 para Lisboa e, posteriormente, para Coimbra, onde se formou em Cânones, em 1753. Em Portugal, entrou em contato com as ideais iluministas e iniciou a sua carreira literária publicando, em opúsculos, pelo menos três poemas: "Munúsculo métrico", "Labirinto de Amor" e "Epicédio". Em todos os trabalhos, a característica poética do Barroco seiscentista é evidente, nos cultismos, conceitismos e formalismos.

De volta ao Brasil, dedicou-se à advocacia, sendo nomeado secretário do governo de Minas Gerais, cargo que ocupou entre 1762 e 1765. A literatura, sua grande paixão, não foi esquecida, e Cláudio Manuel da Costa criou uma academia, a Colônia Ultramarina. Depois, trabalhou como juiz medidor de terras da Câmara de Vila Rica, que era a capital da província mineira. Em 1773, adotou o nome árcade de Glauceste Satúrnio. Anos mais tarde, participou, ao lado de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Inácio José de Alvarenga Peixoto e outros, da Inconfidência Mineira. Na mesma época, compôs o clássico poema "Vila Rica", pronto em 1773, mas publicado somente em 1839, em Ouro Preto, 50 anos após a sua morte. A poesia descreve a saga dos bandeirantes paulistas no desbravamento dos sertões e suas lutas com os emboabas indígenas, até a fundação da cidade de Vila Rica.

Nas décadas de 70 e 80, escreveu várias poesias em que mostra preocupação com problemas políticos e sociais, publicadas na maior parte por Ramiz Galvão em 1895. Cláudio Manuel da Costa estava rico (possuía três fazendas, além de outros bens) quando se envolveu com a Inconfidência Mineira. Preso, foi interrogado pelos juízes no dia 2 de julho de 1789. Muito nervoso, comprometeu alguns amigos em seu depoimento, antes de ser encaminhado para a prisão, na Casa dos Contos, em Vila Rica. No dia 4 de julho de 1789, Cláudio Manuel da Costa cometeu suicídio dentro da prisão, embora alguns historiadores afirmem que o poeta foi assassinado. O seu corpo foi encontrado pendente de uma trave.

Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa

Contemporâneo da Arcádia Lusitana, Cláudio Manuel da Costa foi um poeta de técnica apurada, um escritor que procurou equilibrar a sua forte vocação barroca ao estilo neoclássico. O poeta mineiro também introduziu, em seus textos, elementos locais, descrevendo paisagens e expressando um forte sentimento nacionalista. Toda a sua criação literária de Cláudio Manuel da Costa está em Obras Poéticas, obra que reúne a produção lírica do poeta – sonetos, éclogas (pequenos poemas pastorais), epicédios (poemas fúnebres, criados pelos gregos para exaltar as qualidades da pessoa morta), cantatas (tipo de composição vocal, para uma ou mais vozes, com acompanhamento instrumental) e outras modalidades –, e que dá início ao Arcadismo Brasileiro. Essa publicação marcou a fundação da Arcádia Ultramarina, uma instituição cultural onde os poetas se reuniam para escrever e declamar seus poemas. O poeta admite a contradição que existe entre o ideal poético e a realidade de sua obra. Com efeito, se os poemas estão cheios de pastores – comprovando o projeto de literatura árcade – o seu gosto pela antítese e a preferência pelo soneto indicam a herança de uma tradição que remonta ao Camões lírico e à poesia portuguesa do século XVII. A todo instante, o autor de Obras Poéticas vale-se de antíteses - típico procedimento barroco - para registrar os seus conflitos pessoais, conforme os poemas abaixo indicam.

II

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,

Em meus versos teu nome celebrado;

Por que vejas uma hora despertado

O sono vil do esquecimento frio:

Não vês nas tuas margens o sombrio,

Fresco assento de um álamo copado;

Não vês ninfa cantar, pastar o gado

Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias

Nas porções do riquíssimo tesouro

O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro

Enriquecendo o influxo em tuas veias,

Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Antônio Candido aponta uma constante da obra de Cláudio Manuel da Costa, que é o relativo dilaceramento interior, causado pelo contraste entre o rústico berço mineiro e a experiência intelectual e social da Metrópole, onde fez os estudos superiores e se tornou escritor. No soneto acima, é perceptível essa característica (assim como no que segue). O eu-lírico descreve a paisagem mineira, colocando em plano principal o Ribeirão do Carmo, rio que cortava sua cidade. Ele o descreve como um rio degradado pela busca ambiciosa do ouro.

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza

O berço, em que nasci! oh quem cuidara,

Que entre penhas tão duras se criara

Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os Tigres por empresa

Tomou logo render-me; ele declara

Contra o meu coração guerra tão rara,

Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,

A que dava ocasião minha brandura,

Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,

Temei, penhas, temei; que Amor tirano,

Onde há mais resistência, mais se apura.

No soneto acima, o eu-lírico inicia discorrendo sobre a sua própria maneira de ser. Ele se mostra uma pessoa terna e sem dureza, mesmo tendo nascido entre penhascos. Há, assim, uma antítese – resquício barroco típico de Cláudio Manuel da Costa – que contrapõe a pureza campesina aos penhascos ríspidos e duros. A mitologia grega, por sua vez, se faz presente no momento em que o eu-lírico personifica os sentimentos. Tanto o amor << Amor>>, quanto seu contrário <<Tigre>>, são tratados como entes, aspecto típico da cultura grega. Há, ainda, no soneto em questão, o tema da luta contra o Amor e a clara manifestação da linguagem clara e simplificada do Arcadismo.