sábado, 19 de fevereiro de 2011

MARX E ENGELS VÃO À ZONA

A história de todas as sociedades que existiram até os dias de hoje tem sido a da luta de classes. Tem sido a história dos escravos e dos homens livres; dos proletariados e dos homens de posse. Dos consumidores e dos atendentes de telemarketing. Ora franca, ora disfarçada, essas lutas são ininterruptas e permeiam a história há muito tempo. Movem-na, na verdade. Mas e a luta das putas e dos cafetões? É sabido que elas existem há muito tempo também e que, de certo modo, também movem a história. Até existem os que dizem que é a delas a profissão mais velha do mundo. E existem outros que afirmam que foi um filho delas que, de fato, inventou a profissão. É uma controvérsia. O que não a é, entretanto, é a falta que a análise dessa relação – das putas e dos cafetões –, relações sociais, digo, fazem ao pensamento de Engels e Marx. Os bons conhecedores de suas teorias econômicas e sociológicas sabem que nenhuma página foi dedicada a tal assunto tão importante para humanidade. Mas há motivos para essa ausência.

É que não contam os anais da história, tampouco a história da filosofia, mas muitos sabem que, em uma noite de 1844, Marx e Engels foram à zona. Cansados de história e de economia, resolveram os dois cruzarem a cidade luz para irem relaxar um pouco à luz vermelha. Devia uma a Engels Marx, devido à história do menino. Dai uma agora por minha conta, camarada, e assim se justifica teu filho! Caminhavam, pensando na revolução e no álcool, no álcool e na revolução. Tu acreditas? E acreditavam. Pensavam, durante todo o caminho do bordel, nos dias que se seguiriam e em como tudo seria bom após a revolução. Mas lá chegando, não pensaram em mais nada mais nada. Foi só uma arrumada na longa barba, um acerto no paletó, e, faceiros, adentraram o recinto, lúgubre e insalubre – como uma fábrica –, exceto pelas luzes e pelas operárias. Bons ares, camarada! Bon Soir, Mon Amour! No balcão, entre um copo e outro, Marx e Engels procuravam a mais militante. Queriam enroscar suas barbas. Apenas observavam, comentavam bustos e quadris, Que proletárias, não achas? E apontavam para Charles, solitário em uma mesa, decadente como uma flor em seu mal. Aquele já não tem mais com que se divertir! És um burguês fracassado. Riam.

Até que Engels, sério, franzindo a testa, olhou para seu amigo e o indagou sobre os cafetões. Não te preocupe, camarada, logo um aparece e tu falas com ele. Mas não era só isso que incomodava Engels. É uma exploração! Que, camarada Engels! Aquele par a balançar é caro, mas tudo vale sim, não achas? Mas não era essa a ideia de Engels. O que incomodava Engels, na verdade, era a exploração, a opressão de classes existente no bordel. Não vês, camarada, como há aqui também a luta de classes? Marx entendeu. Não é, que é! Também franziu a testa. Era preciso resolver aquilo. Nas fábricas, nas ruas, nas indústrias e no bordel. Tudo era luta. Mais uma vez a classe reprimida sucumbia sob a ditadura da mais-valia, sob ditadura dos donos dos meios de produção. Era hora de mais uma vez levantar-se, de deixar a volúpia de lado, os pares a balançar, e lutar pela justiça vermelha, vermelha como as luzes no teto. E foi o que Marx fez: levantou-se, tornou o copo goela abaixo, ajeitou o banquinho para nele subir – para fazer seu discurso –, ajeitou a barba e... refugou. Engels estranhou, pediu mais uma, e questionou. Marx confuso o olho. Acho que temos que resolver alguns problemas epistemológicos antes de conclamar a revolução aqui.

Engels, em um insight, concordou. Logo percebeu que, no Bordel, a questão era mais complicada do que parecia. Isso porque, nas fábricas, a mais-valia era clara. A alienação era clara. Os operários vendiam sua força de trabalho, não recebiam por toda a venda dela, tampouco tinham noção do que de fato produziam. Mas no Bordel? Dizia Marx em tom alterado, vermelho pelo Gim. Será que as proletárias dos belos pares eram alienadas e também não tinham conhecimento de todo o processo? Alguns camaradas dizem que muitas delas sabiam todos os processos inimagináveis. E a mais-valia? Batia Engels no balcão. Qual parte da força de trabalho era, de fato, negligenciada? Essas questões fervilhavam a mente de ambos, junto da empolgação de mais um passo em suas elucubrações. Era o fantasma que não pairaria apenas por toda Europa, mas que também mostraria sua cara por todos os bordeis.

Uma questão mais confusa, no entanto, apareceu. E os meios de produção? Ora, com sempre, pertencem àqueles que oprimem. Será? A empolgação terminou. A questão colocada por Marx trouxe consigo um balde de água fria. Seria, pois, os meios de produção, realmente dos que oprimem, ou das operárias. Afinal os opressores lucravam sim com aqueles meios de produção, mas não eram de fato deles. Eram delas ou de quem as pagavam? Sem dúvida, eram elas que cuidavam, que sofriam com possíveis danos, que pagavam pela depreciação. Mas operários donos dos meios de produção? Os camaradas, sob a luz vermelha, entre um copo e outro, não chegavam a um consenso que fosse ao encontro de suas elucubrações anteriores. Pense, camarada, pense!

Engels e Marx, na zona, cabisbaixos estavam. Já Charles, nesse momento, malandro, subia com os pares que estavam a balançar. Ficas pensando nessas coisas. Perdeu! Depois nisso pensamos, então. Adiatar-me-ei antes que aqueles pares também se percam. Amanha veremos isso. E foi Marx, com seus pares a balançar, escada acima. E Engels também, pouco depois. No final da noite, ambos abraçados a caminho de casa, riam, sem ao menos se lembrar de suas preocupações. Junto de Charles – Uma carniça, cara, de onde tiraras isso? – gritavam e tombavam as latas de lixo pela Paris adormecida.