sexta-feira, 16 de abril de 2010

NO TEMPO DAS RECORDAÇÕES

Quando vou a festas de família, ou algumas reuniões de amigos, é inevitável a presença dela. Lembro-me, porém, das épocas em que era objeto raro, cobiçado e possuído por poucos, sendo esses poucos, sempre japoneses. Essas épocas mudaram, e, como falara no começo, a presença dela, uma câmera digital, é inevitável. A todo o momento flashs são disparados, pessoas fazem poses e elocucionam o que já pode ser considerado um jargão de fotografados: “Deixa eu ver?” – sim, com o pronome reto do Bagno. Não consigo imaginar uma cena em que há uma câmera digital e não há uma pessoa para pronunciar tal frase.

Outro dia, porém, presenciei uma cena nostálgica, a que fez me lembrar de vivências que nunca tive, mas que estão internalizadas em mim – sabe Deus como. Lembrei-me daquelas máquinas fotográficas enormes, com um pano e um tripé, que tiravam a fotografia em meio a fumaças e explosões. Lembrei-me disso não por ver uma máquina assim, mas por participar de uma cena parecida com as que envolviam tal aparelho. Em uma dessas festas que costumo ir, depois de inúmeras fotos digitais armazenadas nos cartões de memória, uma senhora apareceu com uma máquina de filmes, modelo simples, e pediu para todos se reunirem para ela bater uma foto. Eu, junto das outras pessoas que comigo estavam, me posicionei, e, ela, sem muito esperar, apertou o botão e tirou a foto. Imediatamente guardou a câmera e se retirou. Todos se dispersaram e voltaram ao que faziam antes, mas creio que, em poucos segundos, num relapso de tempo, todos pensaram em pedir para ver aquela foto, a fim de ratificá-la, ou não; a fim de confirmá-la, ou não. Eu mesmo tive essa vontade.

Mas fomos podados pelo tempo. Fomos impedidos pelo tempo das máquinas do tripé; pelo tempo das máquinas convencionais, que privavam o fotografado do direito de se auto-analisar, de dizer “deixa eu ver” e depois “essa ficou ruim, vamos tirar outra”. Fomos podados pela recordação. Aquela foto, tirada pela senhora, não era para ser vista pelos fotografados, mas sim, por ela e somente por ela. E, para ela, não importava a quantidade de fotos, a qualidade ou a autorização dos fotografados. Interessa a recordação, que ela já havia queimado no filme, e que já havia se eternizado. Ela tinha sua recordação. E nós, jamais nos veremos naquela foto.

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