sexta-feira, 18 de junho de 2010

EMPACOTADOR DE CATA-VENTOS

Uma das funções atribuídas a mim quando trabalhava em uma fábrica de doces foi a empacotar cata-ventos. Sim, cata-ventos. Aquele brinquedo com uma espécie de hélice presa a um canudo cheio de docinhos. Os garotos que comigo empacotavam chamavam-nos de papa-vento. E alguns, mais ousados e mais inocentes, de Papa Bento... XVI. Um sacrilégio! Diria minha avó. Eu os chamava de cata-vento mesmo. Cata-vento e galo, pois um dos modelos de cata-ventos não era um cata-vento, mas sim um galo de brinquedo. Depois explico.

Importa agora como comecei. A fábrica fazia aqueles brinquedinhos cheios de doces em formato de bolinhas coloridas. Vendiam às pampas, pois, além de apetitosos, eram divertidos: um kinder ovo às avessas! Comia-se o que tinha dentro e brincava-se com o que tinha fora. Esses artefatos lúdico-grastronômicos eram montados em linhas de produção: várias pessoas proibidas de conversar, sentadas ao redor de uma mesa abarrotada de pecinhas e sacos de doces para serem transformados em produtos. Era tantos doces que até hoje fico enjoado ao lembrar.

Comecei na linha dos ovinhos divertidos. Minha função era colocar os pés da abóboda inferior e mandá-la para o cara à minha direita para encher de doces, encaixá-la na abóboda superior e mandar para o cara à direta dele meter um adesivo, com a discriminação do produto. Não sei como as crianças brincavam com um ovinho daqueles depois de comer os docinhos. Não consigo imaginar a cena à Power Ranger vermelho. Vamos brincar de ovinho? Eu sou a galinha! Não eu sou! Não consigo. Mas vendiam às pampas.

Fiquei apenas um dia nessa seção. No outro, enviaram-me para a que mais faturava na fábrica: a dos galos e dos cata-ventos – aqueles canudos cheios de docinhos, presos a um cata-vento ou a um galo com um apito no rabo. Com certeza já vistes uma dessas e algum mercado. Eles vendiam às pampas. Eu jamais vira alguém com aquilo na mão, passando pelo caixa dos supermercados, mas vendiam sim às pampas. Todos diziam e eu acreditava. Acredito ainda. Mas nunca vi ninguém comprando.

Trabalhar lá era o apogeu. Comecei colocando o eixo da hélice do cata-vento. Era a peça que a prendia no suporte. Sentia-me importante! Ora, sem eixo a hélice jamais giraria e o brinquedo não seria legal. Mãe meu catava-vento não gira! Depois, passei a colocar o apito no rabo do galo. Parece malicioso, mas é bem isso. O galo de plástico não vinha com apito no rabo. Era preciso encaixá-lo. Nessa função não me sentia tão importante, mas creio que nela agradei, pois a quantidade de galos... enrabados por mim era grande. Dela fui promovido a empacotador.

Empacotador de cata-ventos – e galos com apito no rabo, que também eram chamados de cata-ventos e todos aqueles nomes que citei. Essa atividade era complexa. Em uma mesa longa, três caixas havia: uma com cata-ventos prontos, outra com canudos, outra com galos com apito. Éramos quatro: dois de cada lado da mesa; duas duplas, que trabalhavam sincronicamente. Um colocava a caixinha em um suporte e metia nove canudos com cata-ventos na ponta nela. O outro, enquanto isso, pegava nove canudos, colocava-os na mesma caixinha e depois jogava nove galos com apito. E fechava as caixinhas. Os cata-ventos de galo iam desmontados. O dono do mercado que os montasse, se quisesse. E queriam, pois vendiam às pampas. E encaixar o galinho no canudo também não era nada trabalhoso. Nós não o fazíamos porque a caixa não fecharia.

Eu era muito bom com os cata-ventos de galo. Era uma máquina! Esquecia de todo o processo, de quem estava junto comigo e de que produto estava fazendo. Adam Smith se orgulharia de mim. Karl Marx não. Era uma mãozada na caixa de canudos e já retirava nove deles. Nem precisava contar. Mas contava e dizia: sou muito bom! Outra mãozada na caixa de galos e mais nove, exatos. Nem precisava contar, mas contava e dizia novamente. Fui eleito funcionário do mês. Uma foto minha com dois cata-ventos na mão adornava o mural ao lado do ponto eletrônico. Houve dias em que não trabalhávamos em duas duplas. Era eu e mais dois. Eu contra a "rapa". E Karl Marx que não me visse.

Meu reinado como empacotador de cata-ventos pouco durou. Um mês. Fui aprovado na UEL e tive que largar a arte para me tornar aspirante a gramático, a literato, a redator e lingüista – a professor. Trabalhei apenas dois dias depois do resultado e, nesses dias, além de empacotar com maestria e ser o modelo da fábrica, passei a tirar dúvidas. Respondia a questões do tipo: "Não mexa na pilha de doces é com CH ou com X?". A aprovação embutiu um dicionário em mim automaticamente, assim como aconteceu quando aprovaram a reforma ortográfica. E eu tenho saudades desses tempos. Nunca fora bom no vídeo game nem no futebol. Mas era bom empacotador de cata-ventos. Fiz história.

2 comentários:

  1. Achei de um humor muito legal seu texto. Também me arrisco em algumas crônicas no meu blogue. Voltarei pra conferir novos textos. Um abraço.

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  2. Rapaz, você sabe que sou fã das suas crônicas. Mais uma excelente!

    Eu só não sabia que você tinha trabalhado nessa fábrica aí, hehe...

    Abraços

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